Homenagem ao dia das mães

Homenagem ao dia das mães
Fred Dantas e orquestra - Pelourinho/Ba-Maio/2011

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Não tenho certeza se gostava de banda de música, no nascimento da minha memória




Eu sei que gostava da banda de Caetité. Várias ou poucas bandas foram escutadas e vistas, mas o que me emocionava era a chamada “Banda do Padre Valter”, uma formação humilde e serena, que dava conta do seu recado e evitava repertórios de moda, preferindo os longos e consagrados dobrados dorepertório bandístico brasileiro. Como coloquei para a professora Diana Santiago, no caso da banda de Caetité e seus músicos que me influenciaram, muitas dessas pessoas, ou parte do que fizeram, só estão vivas hoje em minha memória. Umas poucas imagens, as memórias ensimesmadas de parentes, nada escrito muito menos publicado.  

No caso da Banda 21 de Abril, à parte o saxofonista Milton Santos Costa que faleceu na condição de um ainda muito jovem pai de família, os outros integrantes podem falar sobre esses tempos sim, mas desconheço se o fizeram, sabendo que somente eu mesmo segui a profissão de músico. Muito do que fiz está na memória de cada um deles, do mesmo modo que existem observações musicais que hoje pertencem só a mim. Os caboclos dizem “mimóra é o que em mim mora”.

Enriqueço o presente relato com dois anexos, envolvendo mestres de filarmônica e  “memória do que a ti pertence” do mesmo modo do que falo no presente. O primeiro, um neto  à procura da memória de  Jorge Dias de Abreu, o seu avô músico, e o outro, um neto divulgando a memória muito bem construída do seu notável e reconhecido avô, Estevam Moura.  A diferença entre os dois casos pode estar em um artigo, em uma notícia de época, em um único parente que toma a iniciativa, na memória de uma só pessoa.
BIBLIIOGRAFIA
BERTUNES, Carina da Silva. Estudo da influência das bandas na formação musical: dois estudos de caso em Goiânia. Goiânia, 2005. 231 f. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Federal de Goiás, Escola de Música e Artes Cênicas, Goiás, 2005;

CISLAGHI, Mauro César. Concepções de educação Musical no Projeto de Bandas e Fanfarras deSão José – SC. Três Estudos de Caso;

PEREIRA, José Antônio. A banda de música: retratos sonoros brasileiros. 1999. 220 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Artes, Universidade Estadual de Paulista, São Paulo, 1999;

REIS, Dalmo da Trindade. Bandas de Música, Fanfarras e Bandas Marciais. Rio de Janeiro:
Eulenstein Música, 1962;
Anexos

Estimado Maestro Fred Dantas,
De acordo com o que combinamos em 31-05-2011 quando estive em sua residência a fim de levantar informações possíveis sobre a vida musical do meu avô, o maestro de filarmônica Jorge Dias de Abreu, que atuou por volta de 1900 – 1918 ou 1920 a frente da Banda Filarmônica do vilarejo de  Barracão, hoje Rio Real, aqui no Estado da  Bahia, informo-lhe o que vem a seguir para uma descrição que possa substituir, de alguma maneira, dados relevantes que proporcionem a localização de alguma referência.

Não conheci o meu avô, pois o mesmo falecera em 1927, muito antes do meu nascimento em 1955, contudo pelas conversas do meu pai aprendi a vê-lo e senti-lo como presente. O meu pai, Milton Dias de Abreu também teve com o maestro um curto convívio de mais ou menos sete anos, mas lembrava-se de fatos importantes que presenciou e posteriormente às conversas citando os feitos do meu avô era constante entre a sua mãe, (minha avó) e os seus seis irmãos mais velhos.

Desde pequeno eu tenho tendência para a música. Aprendi a executar alguns instrumentos de maneira leiga (de ouvido) e sempre estive familiarizado com ela. Hoje faço parte do Coro da ALBA –Associação Lírica da Bahia, sob o comando do maestro Pino Onis, onde já conto no currículo óperas como La Traviata (Verdi), Nona Sinfonia (Beethoven) e O Guarani (Carlos Gomes), esta última cujas récitas ocorreram em abril / maio do corrente ano.O meu pai Milton ao ver-me tocando alguma coisa no violão dizia: “Jorginho puxou a papai!”e daí descortinava as histórias, às vezes algumas que sequer presenciou, contudo possuía o conhecimento pela transmissão da família, pelo comentário dos irmãos. Por exemplo, contava ele: “Papai regia a Banda Filarmônica e nas comemorações ele era de tão grande importância que o meu irmão Flávio (Vivino) - o apelido eu deduzo ser em função da Festa do Divino ocorrida naquela região e em Sergipe muito afamada e o V de Vivino deve ser a maneira infantil que o meu tio chamava Divino-, ia sentado em um carneiro alvo, desfilando até o coreto do vilarejo, na praça principal onde ocorreria a festa musical, a disputa de bandas etc. Tratava-se do filho mais velho do maestro entre os seis irmãos, Rosalvina, Almerinda Quininha, Abelardo e Osvaldo (Vavá) os meus queridos tios.

Outro comentário que fazia constantemente o meu pai era o de que o maestro havia deixado um baú cheio de músicas escritas por ele e que da maioria não teve mais conhecimento e quer algumas foram usadas para fazer “periquitos” para brincar, mesmo por ele que não entendia do que se tratava.

Meu pai falava dos dobrados, das marchas e das competições acirradas entre as bandas filarmônicas e também falava do prestígio que gozava o maestro Jorge e a sua família pelo seu desempenho na música.

Procurei fazer o resgate, contudo sabemos da dificuldade com relação à época. 1900, a região era atrasado, interior brabo, tudo muito difícil.As fotografias não eram toa simples e comuns como hoje; os registros em cartórios não eram para todos e as informações se perdem ao longo do tempo.O material que procurei consultar era muito pequeno e na verdade após a iniciativa de D..Pedro de instituir as bandas  deve ter havido uma quantidade muito grande de pessoas envolvidas nesta atividade o que rendeu notícias somente dos mais afamados.Tentei o contato com a Filarmônica atual , mas não é a mesma daquela época.Trata-sede uma banda da contemporaneidade, mais  ou menos 1980; desconhecem a história.Intento consultar a Paróquia pois lá deve haver algum registro, batismo, nascimento referente ao maestro. O meu pai, nos anos 70 foi até lá e conseguiu uma foto do maestro, mas não sei do seu paradeiro e o meu pai é falecido desde 2003.

Assim, apelo ao maestro Fred, conhecedor da história das filarmônicas (como já tive o prazer de ler o seu documentário) a me ajudar com a sua experiência no sentido da possibilidade de resgate desta passagem do meu avô Jorge e sua contribuição na música através da filarmônica.

Certo de que poderemos direcionar esta pesquisa, espero conseguir este resgate que para mim além de corresponder à música, a sua informação, a sua história, me toca o coração pelo resgate familiar.

Agradeço ao amigo qualquer intervenção que possa ser feita e coloco-me ao inteiro dispor para auxiliá-lo neste intento.

Cordialmente,

Jorge Luís de Abreu

ESTEVAM PEDREIRA DE MOURA
por Carlos Estevam Moura Dórea



               Estevam Pedreira de Moura, que se tornou mais conhecido como Estevam Moura, representou, ao seu tempo, uma importante referência na música de bandas filarmônicas na Bahia. Isto o tornou, posteriormente, também bastante conhecido nacionalmente como assim atesta a presença de suas composições ainda hoje interpretadas em todos os lugares do Brasil onde ainda este tipo de grupo musical sobrevive, inclusive entre as bandas militares.

 Indiscutível é também o respeito e os rasgados elogios que músicos e regentes destas formações musicais fazem da qualidade e sofisticação do seu trabalho. Vale lembrar que em 1978, por ocasião de um concurso nacional de bandas filarmônicas promovido pela Rede Globo de Televisão, transmitido em rede para todo o Brasil, com a participação de grupos musicais de várias regiões do país, a Bahia se fez presente com destaque através de brilhantes apresentações. Entre elas esteve presente a Sociedade Filarmônica 25 de Março, de Feira de Santana, indiscutivelmente a melhor do estado naquela época, interpretando composições de Estevam Moura, que veio a obter o segundo lugar na classificação final.

Esta posição não agradou, assim como gerou protestos de muitos críticos e outros especialistas na área, que consideraram as apresentações desta banda, assim como o repertório escolhido, a mais capacitada para angariar o primeiro lugar. A mesa comentadora e julgadora foi composta de renomados e respeitados maestros brasileiros, como Edino Krieger, Marlos Nobre, Isaac Karabithevsky e Julio Medaglia. Ao final, num emocionado discurso, o maestro Marlos Nobre comentou e elogiou as composições de Estevam, assim como lamentou a sua morte precoce e a carência de um melhor conhecimento e valorização do seu trabalho.

Na ocasião foi lançado um LP com as bandas finalistas. De Estevam Moura, com a filarmônica 25 de Março, foi gravado o dobrado Allah, um dos mais belos e bem elaborados do compositor. Esta mesma banda já se apresentou no Rio de Janeiro, nos anos quarenta, inclusive na Rádio Nacional e provavelmente na Rádio Ministério da Educação, regida por Estevam e interpretando algumas de suas composições. Comenta-se inclusive, por aqueles que vivenciaram aquele tempo, que Estevam foi convidado a se fixar naquela cidade onde ele teria melhores oportunidades de fazer carreira, inclusive na música popular, o que ele não aceitou, não se sabe exatamente o porquê.

É bom lembrar que Estevam Moura não compôs apenas dobrado, existindo no seu acervo também música sacra, inclusive com muitas ave-marias, te deums, etc., assim como marchas carnavalescas, sambas, foxes e fantasias, evidenciando assim o seu estilo eclético. Entretanto foi nas marchas e dobrados que ele mais se destacou e por onde é mais conhecido.

               Estevam Moura nasceu no dia 3 de agosto de 1907 no arraial de Santo Estevão do Jacuipe, hoje o próspero município de Santo Estevão. Era o mais velho dos cinco filhos do comerciante João Pedreira Moura e Maria Minervina Carvalho Moura, mais conhecida como Dona Vida, que exercia o ofício de costureira com o qual sustentou e educou estes filhos, visto que o seu marido faleceu precocemente.

                Segundo testemunho dos seus irmãos ainda vivos, Estevam desde criança já demonstrava forte inclinação para a música. Sua atividade lúdica mais comum era tentar (e conseguir) tocar flautas, fossem estas rudimentares de bambu, taquara ou até mesmo de galhos de mamoeiro, por ele mesmo fabricadas, inclusive as conhecidas e até hoje vendidas nas feira-livres das cidades do sertão nordestino, ocarinas, feitas de cerâmica de barro, de provável origem indígena com influência portuguesa. Experimentalismo musical nato, que lhe valeu no futuro, a sua forte característica autodidata.  Os zabumbeiros, como eram conhecidas as bandas de pífanos e os barbeiros, bandinhas sem muita organização harmônica, quando desfilavam pelas ruas da vila, contavam sempre com a sua presença, seguindo e acompanhando o ritmo. Aos sete anos ingressou na escola pública local onde se destacou pela sua inteligência e perspicácia, além de uma notável vocação para a carreira musical, sensibilizando a sua professora, D. Francisca Simões, que lhe ensinou as primeiras notas musicais, obteve da sua mãe o consentimento para que este fosse incluído na Filarmônica 26 de Dezembro que estava em formação e da qual ele veio futuramente a ser o regente. Nesta ocasião ele compôs a sua primeira obra: Dobrado Alicio Teixeira. Sabe-se que, na realidade, Estevam aprendeu música mais como autodidata do que através de lições regulares de teoria musical. 

                Aos 18 anos Estevam deixava a sua terra natal transferindo-se para a florescente vila de Bonfim de Feira, convidado pelo Sr. Godofredo Leite, importante pecuarista da região, e sob o apoio do Vigário Lacerda, pároco e uma espécie de mecenas de atividades culturais e recreativas desta vila, para reger a recém-formada Filarmônica Minerva. Em Bonfim, Estevam viveu durante sete anos entremeados com bons e maus momentos, tentando heroicamente sobreviver da música. Ali fez várias composições, dentre elas o dobrado Verde e Branco, numa fase de grande inspiração e de decepções, pois foi obrigado a vender várias composições a fim de sobreviver.

Foi também em Bonfim que ele conheceu a bela e angelical Regina Bastos de Carvalho, filha de tradicional família local, por quem se apaixonou. Regina se entregou a este amor, enfrentando os seus pais e irmãos que radicalmente se opunham a este romance. Não admitiam que ela fosse namorar um músico pobre e mulato.  As coisas chegaram a tal nível, e diante da insistência dos dois em manterem este romance, que foi necessário que o seu irmão mais velho e quem praticamente ditava as regras na família, providenciasse para ela um exílio temporário numa fazenda de cacau no sul da Bahia, pertencente à família de sua esposa, e quase que uma não-oficial prisão domiciliar para Estevam, fato possível numa terra sem lei na época. Estevam ficou durante algum tempo imobilizado, até que um dia um seu cunhado, num ato destemido, montado num cavalo, resgatou-o desta incômoda situação, levando-o de volta a Sto. Estevão. Após aproximadamente seis meses, Regina retorna para Bonfim e sua família estava certa de que o romance tinha sido esquecido. Engano deles. Numa madrugada, montado a cavalo e num arroubo próprio de romance folhetinesco, Estevam rapta a sua amada, conduzindo-a a um esconderijo num sitio de um amigo. Lá permaneceram até que a desenfreada perseguição impetrada por seus irmãos e mal-humorados auxiliares desistissem da empreitada. Após a poeira baixar, os fugitivos casaram-se em Sto. Estevão em 1931 e as dificuldades ainda estavam começando.

 No ano seguinte nascia a sua primeira filha, Olga, justamente na época da grande sêca de 1932, talvez a maior e mais dolorosa que o nordeste já conheceu. Milhares de pessoas pereceram de inanição. O campo de trabalho deixou de existir e Estevam, pela segunda e última vez deixou sua terra, desta feita sobrecarregado pelos encargos de família. Regina tinha sido deserdada pelos seus familiares e, posteriormente, através de manobras escusas, ficou destituída dos direitos de herança. Em busca de zonas poupadas pelo rigor da longa estiagem, Estevam foi reger, ainda insistindo em viver da música, a banda filarmônica da cidade de Afonso Pena, hoje Conceição do Almeida, e lá permaneceram até que puderam se transferir para Feira de Santana onde lá se estabeleceram em definitivo. 

                Estevam Moura, um mulato alto, magro, de finas maneiras, sempre elegante com seus ternos de tropical inglês ou de linho branco, chapéu tipo Panamá, pó-de-arroz no rosto, se tornou figura constante e popular nas ruas e pontos freqüentados pela sociedade feirense da época, como o Bar e Café Sueto, na rua Direita, hoje rua Cons. Franco, vizinho ao armazém e casa de ferragens de João Marinho Falcão. Na década de 30 Feira de Santana prosperava com a famosa feira livre que originou o seu nome, a feira de gado e um comércio em ascensão, além do seu melhor período de efervescência social e cultural. Os eventos se sucediam, tais como as festas juninas, a festa de Sra. Sant’Anna padroeira da cidade e, a partir de 1937, a famosa Micareta, criada nesta cidade e posteriormente imitada, ainda na época chamada de Micarème. Os bailes aconteciam principalmente na Sociedade Filarmônica Vitória.  Para todas estas efemérides Estevam compunha músicas alusivas e se tornou presença essencial e contumaz. Fundou grêmios recreativos, sociedades carnavalescas, ou melhor, “micaretescas” como As Melindrosas. Nesta época ele já era regente da Sociedade Filarmônica 25 de Março e através desta atividade ele pôde solidificar muitas amizades na cidade, inclusive com outros músicos e compositores locais como maestro Santos, Heráclito de Carvalho, Gerson Simões este último o seu grande e fiel amigo. Não era dado a vícios. Nunca bebeu, nunca fumou, entretanto era conhecido como sedutor e mulherengo.

             Por conceituado que era socialmente e no meio musical, Estevam foi convidado a ser professor de música e canto orfeônico no Colégio Santanópolis, do grande educador Áureo Filho, na época a melhor escola da região. Obteve também um emprego na prefeitura da cidade, na Guarda Municipal. Estas três  atividades paralelas garantiram a sua sobrevivência, modesta, entretanto sem sobressaltos, até quando a sua frágil saúde lhe permitiu. Era portador de leve gagueira, o que não o impedia de ser afinado quando vez por outra arriscava cantar. Aprendeu a tocar vários instrumentos, sendo bastante hábil no clarinete e saxofone, porém foi na flauta que ele se especializou e sendo este o seu instrumento preferido.

            Estevam era um perfeccionista em tudo a que se dedicava, desde as suas composições, no trato com os liderados da banda que ele regia os quais tinham que ser rigorosamente pontuais aos ensaios e cuidadosos nos uniformes de gala para as retretas e desfiles. Neste aspecto sabe-se que ele próprio criava e desenhava estes uniformes que tinham que estar sempre impecáveis. Este mesmo rigor ele impunha aos seus alunos no Colégio Santanópolis os quais estava sempre a conclamar que valorizassem a música, e não admitia que desdenhassem de sua matéria. Hoje estes mesmos alunos se recordam deste mestre com carinho.  

             Durante muitos anos, e até a sua morte, Estevam Moura trocou correspondência, regularmente, com o respeitado e famoso maestro Heitor Villa-Lobos. Era motivo de orgulho para Estevam o reconhecimento e elogios vindos daquele que foi o mais conhecido e importante compositor erudito brasileiro.  Trocavam idéias, aceitava sugestões, assim como durante muito tempo acompanharam mutuamente a evolução de suas carreiras musicais. Por descuido, omissão ou por não se valorizar adequadamente na época o valor histórico desta correspondência, hoje se desconhece, infelizmente, o paradeiro destas cartas.  

               Numa época de pouco acesso a informações que vinham de fora, Estevam tinha o rádio como aliado. Quase que diariamente sintonizava a Rádio Ministério da Educação, da então capital federal Rio de Janeiro, quando então tinha a oportunidade de ouvir e aprender sobre música erudita, sua grande paixão.   

              Um fato curioso marcou a carreira de Estevam Moura. Durante os anos quarenta, no período da II Grande Guerra Mundial, havia grande deficiência de metal disponível para a fabricação de instrumentos de sopro. Ilustrativo disto é o fato de que nos Estados Unidos da América, conceituados músicos de jazz, como o saxofonista Charlie Parker, foram obrigados a utilizar instrumentos de plástico. No interior da Bahia, entretanto, não se tinha acesso a estes expedientes, sendo necessário, portanto, o cuidado e manutenção dos instrumentos de que se dispunha. Mas como substituir as palhetas dos saxofones e clarinetes? Estevam com a sua criatividade e capacidade de improvisação, idealizou fabricar, ele mesmo, de forma artesanal, paletas de bambu envernizadas. De tão perfeitas e refinadas, cuidadosamente testadas uma a uma, resultaram numa sonoridade tão preciosa, que foi necessário que ele mantivesse esta atividade atendendo a pedidos que chegavam de todos os lugares do país. Daí surgiu as Palhetas Estevam Moura, vendidas por encomenda e em lojas de instrumentos musicais, cuidadosamente embaladas em pequenos envelopes timbrados. Mesmo após a sua morte as encomendas ainda chegavam.

                  Embora dominasse os instrumentos de sopro, Estevam não escondia o seu desejo de aprender piano e, foi uma coincidência feliz que lhe proporcionou a realização daquele sonho. Regente da 25 de Março, ele foi residir na antiga rua Direita, em frente à Filarmônica Vitória e exatamente ao lado de sua casa morava a não menos talentosa Georgina Erisman, compositora e pianista, inclusive foi quem compôs o hino de Feira de Santana, da qual tornou-se grande amigo e aluno, chegando a compor em parceria com a mesma, o que lhe proporcionou a oportunidade de ampliar seus conhecimentos musicais e sua cultura geral, embora como autodidata já possuía um vasto cabedal de conhecimentos graças ao seu gosto pela boa leitura. Também da sua biblioteca hoje pouco se sabe do paradeiro.

                   A primeira composição de Estevam Moura foi o Dobrado Alicio Cerqueira, cujo título demonstra o carinho do maestro para com os seus amigos, comportamento este que jamais se alterou durante toda a sua existência, pois em Feira de Santana ele viria a dedicar outras composições a pessoas da sua amizade, a exemplo das peças: Dobrad Arnold Silva, Dobrado Otaviano Teixeira, Dobrado Irene Silva esta última em homenagem à esposa do seu amigo Joaltino Silva. O dobrado Tusca era dedicado ao seu filho Ernani que tinha este apelido (Estevam só teve dois filhos, Olga e Ernani). Acredita-se que verdadeiro nome de Tusca tenha sido uma homenagem ao professor e maestro modernista brasileiro, Ernani Braga.

                    Outras composições famosas do maestro, além das já mencionadas, foram a marcha Constelação, os dobrados Magnata, Presidente João Almeida, Allah, Vida e Morte, além de foxes instrumentais como Reveillon, bastante executado nas festas de ano-novo, Sonho Azul e outras. Compôs ainda o Hino do Congresso Eucarístico e muitas ave-marias.

                      Estevam viveu muitas alegrias, festejado como artista e respeitado como cidadão. Padeceu, entretanto, durante anos, de uma doença que veio a vitimá-lo.  Faleceu muito cedo, aos quarenta e três anos de idade, em maio de 1951, vítima de um tumor no estômago. No leito, sentindo a proximidade da morte, ele compôs o seu último dobrado, O Final.

(Feira de Santana, data)







E

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O choro e o frevo

O choro brasileiro, ou chorinho, é o que podemos chamar de primeira música instrumental gerada no Brasil, com base na linguagem musical profissional e partituras. Com surgimento paralelo ao jazz norte-americano, o choro da mesma maneira tem seu ponto de nascimento no encontro das culturas negra e ocidental. No nosso caso, músicos de formação erudita, a exemplo de Chiquinha Gonzaga (1847-1935) ou Ernesto Nazareth (1863–1934) adotaram nova base rítmica com a influência dos descendentes de escravos, para compor novas melodias, enquanto músicos do povo tinham acesso aos instrumentos harmônicos e ao aprendizado da música teórica.
Entre os instrumentos de sopro, é notável o relacionamento com as bandas de música militares e civis, que acolhiam em suas fileiras os chorões, ou músicos improvisadores, a exemplo da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, à época de Anacleto de Medeiros (1866-1907), que compunha dobrados e também músicas sincopadas, que já podemos chamar de choro. O estilo se consolida com Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna (1897-1973) a atinge o seu período clássico com Jacob do Bandolim (Jacob Bittencourt (1918-1969).
O conjunto padrão de choro, que, no início do século incluía um oficleide como marcador do tempo, é hoje formado por um violão de sete cordas, um violão de seis cordas, um cavaquinho e um bandolim, com marcação rítmica feito por um pandeiro. Este é o conjunto conhecido como regional, ao qual podem ser agregados solistas de flauta, clarineta e saxofone, ou, mais raro, trompete ou trombone. Um importante instrumento solista no choro é o violão tenor, menor que o violão e com apenas quatro cordas.

A estrutura da música compreende uma introdução no tom principal, uma primeira parte repetida, uma segunda parte também repetida, que pode ser no relativo maior, caso o principal seja em menor. Volta-se à primeira parte sem repetição e pula-se para a terceira parte, repetida, não raro modulando para a subdominante do tom inicial, se maior, ou para tom homônimo maior, caso seja menor o tom inicial. Daí volta-se à primeira parte e fim. Essa forma revela o parentesco do choro com o dobrado das bandas de música, pois ambos compartilham a mesma estrutura, que pode ser resumida como:
- Intro -1ª parte duas vezes;

– 2ª parte duas vezes;

– 1ª parte uma vez;

– 3ª parte (trio);

– 1ª parte uma ou duas vezes;

– E fim (coda).

O choro adota em certos momentos, a idéia de improvisação, com procedimentos em certos casos semelhantes ao jazz, como o uso de uma moldura formal e uma base harmônica correspondente à melodia principal. Mas enquanto no jazz a improvisação se tornou estrutural, no choro ela é feita mais sutilmente, na maioria das vezes nas repetições, ou seja, faz-se a primeira vez de forma convencional e na segunda vez se permitem variações. Da musica erudita, o choro herdou um grande cuidado com a construção das melodias, que em geral exigem do solista virtuosismo e desempenho técnico. Na grande escola popular do chorinho se originaram e ajudaram a construir o estilo, Waldir Azevedo, bandolim, Altamiro Carrilho, flauta, Ratinho, K-Ximbinho e Paulo Moura, saxofone, Abel Ferreira, clarineta e Dino, violão 7 cordas.

A tradição do choro tem se mantido graças à iniciativa de aficcionados, que compreendem ser essa, ao lado das filarmônicas, importantes escolas de música essencialmente brasileiras, que muito tem a contribuir ao nosso crescimento e ao mundo, daí o grande número de admiradores que o choro congrega am vários países. Entre essas iniciativas, estão os Clubes do Choro organizados em várias cidades. A Bahia possui um conceituado e antigo conjunto de choros, mantido sob a liderança de Edson 7 Cordas, Os Ingênuos, que tem ajudado a manter a tradição e originar novos talentos. Outra iniciativa que vem dando certo é o projeto Roda de Choro do Teatro Vila Velha, organizado pelo clarinetista  Juvino Alves e pela flautista Elisa.

O frevo, termo derivado da palavra frever (ferver), é a música carnavalesca de Pernambuco, que assumiu estrutura de estilo, subdividindo-se em frevo-de-rua, frevo-de-salão, frevo-canção, etc. e tem alguns compositores realmente notáveis, com destaque para Levino Ferreira (1893-1993), apelidado “mestre vivo”. O frevo vem associado a uma coreografia específica, com passos determinados e nomeados, em uma verdadeira escola.

 O estilo frevo se originou de bandas de música. No final do séc. XIX, as sociedades filarmônicas, em seus desfiles nas ruas do Recife e Olinda, sempre que se encontravam não se limitavam à disputa musical, frequentemente indo às vias de fato, com grande sessão de socos e pontapés. Com o tempo, as bandas passaram a contratar capoeiristas, os capoeiras, que iam à frente, executando por vezes suas acrobacias de luta, mostrando aos adversários o que poderiam fazer. Aqueles golpes começaram, ao som dos dobrados, a se tornar passos de uma estranha dança. Então os músicos começaram a tocar uma marcha mais rápida para acompanhar aquilo e, poucos anos depois, já se havia tornado o frevo, dança e música. Segundo o estudioso Valdemar de Oliveira, “não se sabe se o frevo, que é a música, trouxe o passo ou se o passo, que é a dança, trouxe o frevo”.

A Jardineira, do folclore nordestino, foi adaptada primeiramente em 1870, por Hilário Jovino Ferreira e gerou a criação de um primeiro bloco, As Jardineiras, que, por sua vez, inspirou outros: Flor da jardineira, Filhos da Jardineira, etc.

Frevo é geralmente uma composição em andamento presto, compasso 2/4, composto para filarmônica ou, a partir dos anos 50, para uma orquestra modelo americano (naipe de saxofones, trompetes, trombones, bateria, baixo, guitarra). Existe o frevo-de-rua, mais rápido, o frevo-canção, quase uma marchinha e o frevo-de-bloco, mais lento.Existe uma tendência a se escrever em diálogo constante entre os metais e as madeiras e é esse sistema de escrita que mais caracteriza o frevo.

Um bom exemplo é Último Dia, composição de Levino Ferreira: um início de metais, com frase mais de caráter rítmico, com apenas três notas, seguido de uma longa resposta dos saxofones, em frase de muitas notas. Em seguida, nova frase de três notas com os metais, nova resposta dos saxofones. Junto a Levino Ferreira, ajudaram a estabelecer o estilo Nelson Ferreira, os irmãos Valença e Capiba (Lourenço Cardoso, 1904-1997) e Duda (José Ursicino, nasc. em 1935), considerado um dos melhores arranjadores brasileiros do sec. XX e responsável pela organização do repertório e gravações de frevos.


Os cinco estigmas

Um rapaz me procurou querendo tocar tuba.

Eu perguntei: tuba?
– Sim, tuba.

Eu então o alertei que existiam cinco estigmas pra serem conscientizados. Como disse, “conheça-te” é melhor que com o complemento “a ti mesmo”, pois segundo Dé Pagão, de Urandi, constitui-se em Pleonasmo, ou seja, “uso desnecessário de palavras”. Conheça-te e será mais feliz sabendo que és uma lagarta, e não uma borboleta.

Assim, vamos aos cinco estigmas:

1 – Ser músico. Como está na Bíblia, somos da descendência de Caim, como os ferreiros;

2 – Ser músico de sopro. Como sabemos, os outros músicos não gostam de nós;

3 – Tocar instrumento de metal. Como sabemos, os flautistas, clarinetistas, oboistas, saxofonistas, fagotistas, enfim, nossos colegas acham que os metaleiros são um pouco batedores de estaca;

4 – Tocar na clave de fá. Nossos colegas trompetistas acham que somos efetivamente batedores de estaca;

5 – O Quinto Estigma é ser tubista, isso só sei o que é por umas poucas experiências.  Carregar o mundo nas costas, ser responsável pelo bem-estar de toda a banda, e ainda ser aparentemente o fim-do-fim.

Do ponto de vista do mestre de banda, entretanto, o tubista é o começo-do-começo.

E o rapaz veio a três aulas e sumiu.

domingo, 29 de maio de 2011

Apresentação do Grupo Composição e Cultura ao compositor visitante Liduíno Pitombeira.

O nome do nosso grupo, décadas atrás soaria redundante, pois a idéia de composição no âmbito da Universidade estaria imediatamente vinculada à norma culta. Na Bahia de agora a palavra cultura nos remete a uma composição vinculada a uma idéia de cultura que cada vez mais inclui os saberes populares.

Assim, as experiências em andamento de Tuzé de Abreu sobre sua convivência com o experimentador Walter smetak encontra laços com a história de vida de Fred Dantas com o mundo das bandas Filarmônicas, do mesmo modo que Cláudio Seixas, ao estudar a movimentação fílmica d’ O Boi Aruá com música de Ernst Widmer, se relaciona  aos movimentos de Capoeira estudados por Guilherme Bertissolo.

A visão cosmopolita estudada por Pedro Augusto sobre a presença de Ciclos na obra do compositor britânico Thomas Ades cria valências com a  Hibridação no compor investigada por Paulo Rios.

Enquanto Pedro Amorim procura criar um Modelo de compor juntando quatro polos conceituais: jogos, indeterminação, composição ampliada e contexto como deflagrador do compor, Alex Poechat se debruça sobre Musica e falares na nossa Cidade do Salvador, onde há 50 anos existe um notável centro de composição que sempre se renova, mantendo sempre um compromisso sério com a vanguarda, gerando uma interrogação sobre o que Erik Barreto vem estudando, as Pedagogias do compor.

1 - A experiência do compor a partir da pesquisa de campo.
Entre os trabalhos em andamento, quatro dependem sobremaneira da pesquisa de campo: as filarmônicas, a Capoeira, os falares e a pedagogia do compor. Nos três primeiros, porque a própria natureza da música remete a vivências e pessoas. E nos quatro, a falta de bibliografia adequada ou mesmo não tão adequada assim.

O que se escreveu até o momento sobre a música das bandas filarmônicas está carregado ora de tecnicismo funcional ou de uma nostalgia social que ofusca certas implicações mais certeiras. As bandas de música, enquanto geradoras de música local e escrita em partitura, relacionadas a datas, fatos e pessoas, também são organismos de  inclusão social e pensamento crítico. Nenhuma música nova será legítima sem o conhecimento do repertório tradicional, principalmente o que se compôs na Bahia entre os anos 1910 a 1950.

A capoeira, hoje praticada no mundo inteiro, possui razoável documentação dos comportamentos rituais, o gestual da luta em si, das letras em suas formas obrigadas. Mas é um espanto que suas ladainhas e cantos corridos não tenham merecido um catálogo temático. Os livros sobre capoeira declinam uma lista de versos cuja melodia permanecem ao sabor do conhecimento vivencial, pois não incluem transcrição musical. Daí a pesquisa de campo, e no caso de Bertissolo a prática mesmo, pois ele se tornou um capoeirista baiano, ser fundamental.

“Ach carm’na falô da rôpa” não pode ser o mesmo que “acho que as meninas falaram da roupa”.  Aonde! A música do falar baianês merece um olhar que traga de campo material composicional muito mais conseqüente que as generalizações como o “falar baiano de televisão”, que não encontra similar em região nenhuma da Bahia. Ôx! E não vamos nos ater ao consagrado, mas incorporar os novos significantes, onde “muito obrigado - de nada” se tornou “valeu aí, véi – é ninhuma”.

Finalmente é preciso ir a campo no ambiente da Escola de Música da UFBA, incomodando aposentados em suas casas, localizando compositores ex-alunos que residem em outros estados, interrompendo o cotidiano dos que dão aulas da nossa escola, na busca por constantes que fizeram essa música perdurar. O que chamo “essa música” é mais uma atitude composicional provocadora e comprometida com uma verdade, que acabou por se manter viva desde a vanguarda de 1960 até as oficinas de composição atuais. Como se ensina a compor assim? O que criou um genoma que faz obras de Joélio se assemelharem a Milton Gomes? À luta então, Eric, pois além do excelente livro de Paulo Costa Lima sobre as estratégias de Widmer, pouco há na biblioteca.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Por uma novíssima revisão ortográfica da Língua Portuguesa

O assunto se tornou atualíssimo, portanto não posso deixar de me pronunciar, ainda mais que falo "os peixe" sim, e "custano 12 real" o quilo. Mas escrevo certo. Eu sou um incentivador, um estudioso e praticante da língua cabocla brasileira. Intelectualismo idiota comigo não tem vez. O que permaneceu da língua em poder das pessoas é porque faz sentido. É a pedra rolada do uso, sacralizando, consagrando a linguagem coloquial.

Tô nem aí para a polêmica, com direito até a artigo incompreensível de Caetano.  Não sei nem quem são as autoridades responsáveis por isso. Eu me importo é com o que as pessoas falam.
E aí eu repito e acato frases como “Nóis trevessemo aquele quéto sem dificulidade” (Sertão) com a mesma naturalidade de “Ach carm´na falô da rôpa (“acho que as meninas falaram da roupa”, em linguagem do Pelô) O que não gosto, o que eu acho que é resultante da falta de escola pública de boa qualidade, é daquela linguagem suburbana, em que “jardinho” substitui “Jardim”. Nessa língua, eu já escutei de tudo. O capoteiro disse: “O senhor dá uma lavagem celebral no carro todo, aí eu ajeito a fechadura...”.

O vendedor disse:
“Essa o senhor pode levar que não tem nenhum efeito colesterol...”

O colega músico perguntou:  “E o senhor sabe mais ou menos a faixa etária do cachê?” Chega!

Fui falar hoje com a caixa do Bompreço que “contamos com sua compreenção” estava errado e ela me disse :  – Há, claro, compreenssão  é com dois esses!  Isso foi no supermercado de Nazaré!

No passado foi o pintor:   – Olha seu Fred, não adianta pintar mais, tem que falar com seu vizinho, porque o problema dessa parede é a humildade!

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Armandinho e a música erudita

Fred Dantas, músico da Orquestra Sinfônica da UFBa e aluno do Doutorado em Música
Armando Macedo é um símbolo da musicalidade da Bahia, um virtuoso em seus instrumentos que soube se colocar em posição de reconhecimento nacional e internacional sem perder a ligação estreita com a comunidade da sua terra.
Sua primeira aparição a nível nacional se deu no programa A grande chance, apresentado por Flávio Cavalcanti, onde ainda criança, acompanhado do notável violonista Dino 7 cordas, interpretou uma seleção de choros e sambas, mas sobretudo a Alla Turca de Mozart, tocada de cor ao bandolim. Estava aí delineado o contorno da sua profissão: um músico popular que interpreta o erudito, um erudito ambientado na música popular.

Se Leopold Mozart se apressou em apresentar ao mundo o filho prodígio, se Johann van Beethoven procurou logo as melhores influências para o filho igualmente precoce, o músico Osmar Macedo, criador do trio elétrico, não haveria de deixar de revelar a capacidade de execução do menino Armando. Nada havia de estranho para Osmar em relação à tradição musical da Europa, visto que ele próprio tinha transposto dezenas de pasodobles espanhóis para a linguagem do bandolim e do pau elétrico.
Armandinho junto com seus irmãos músicos foram responsáveis pela continuidade do trio elétrico, Dodô e Osmar. No final dos anos 1990 lá estavam eles todos, sob o olhar satisfeito do pai, tocando para as multidões, sem cantor, marchinhas, pasodobles, frevos e, vez por outra, uma transcrição meio à vontade de clássicos como Czardas ou o Bolero de Ravel.

A sua fase madura foi marcada por duos concertantes com alguns dos melhores músicos brasileiros em seus instrumentos, como Paulo Moura, Rafael Rabelo, Arthur Moreira Lima, apresentados, sobretudo em turnês nacionais. Essas apresentações, sem nenhuma licença, podem ser consideradas concertos, pois nelas as músicas são apresentadas e desenvolvidas, seja em partitura seja por improvisação, para uma platéia de ouvidos bem atentos.
Finalmente chega o momento onde focamos Armando Macedo como solista de bandolim e guitarra baiana à frente de uma orquestra sinfônica. Já faz muitos anos, na inauguração da reforma do Dique do Tororó, uma obra das mais felizes e bem amadas pelo soteropolitano, eu próprio regi uma sinfônica com Armandinho solando, ocasião em que foram executados não só arranjos feitos por mim, mas também criações de maestros reconhecidos do sul do país.

Devemos frisar que a atitude de Armando em relação à música clássica, herdada do seu pai, sempre foi de muito respeito e até de certa veneração. Caso tivesse ingressado, como quis certa feita, na nossa Escola de Música da UFBA seria hoje uma espécie de Mário Ulloa, um gênio virtuoso contido na academia. As multidões teriam perdido momentos de animação frenética, a Reitoria teria ganhado performances inesquecíveis. E o pátio da escola estaria coalhado de jovens estudando bandolim.
O Armandinho clássico foi ouvido recentemente num concerto da Orquestra Sinfônica da UFBA, regida por José Maurício, em pleno Campo Grande, ao pé do Caboclo. O solista foi aplaudido entusiasticamente pela multidão, o que me fez pensar em como é bom ser amado e reconhecido em casa, como é bom ser profeta em sua própria terra!

Seja interpretando o Bolero de Ravel ou inéditas como Pororocas, composição dele mesmo, o que se via ali era um concertista muito brasileiro, muito à vontade, que imprimiu em cada olhar, em cada rosto dos músicos da orquestra, profundo sentimento de admiração e respeito.